O Santo Partir do Pão só acontece na Comunhão
- pastorsantinel
- 1 de jul.
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A Ceia do Senhor, conhecida tradicionalmente como “Santa Ceia”, tornou-se, ao longo da história da igreja, não apenas um símbolo de comunhão, mas também, tristemente, um instrumento de exclusão. A designação “santa”, que nas Escrituras tem o sentido de separado para Deus, foi ressignificada ao longo dos séculos pelo viés institucional. O que era memória do Cristo encarnado, partido e entregue por todos (1Co 11:23-26), foi transformado por muitos sistemas religiosos em um rito sacralizado e, nesse processo, controlado.
No Novo Testamento, o partir do pão era uma prática comum da igreja primitiva. Lucas registra que “perseveravam no partir do pão e nas orações” (At 2:42), em casas, com simplicidade e alegria. A mesa era o lugar da comunhão, da inclusão, do amor vivido na prática. A Ceia do Senhor era a memória viva da encarnação, morte e ressurreição de Jesus. Não era um ritual esvaziado, tampouco um momento reservado a poucos “dignos”. Era o que João Crisóstomo chamou de hospitalidade de Deus, onde Ele mesmo se dá em alimento.
Contudo, com o passar do tempo, o uso da palavra “santa” foi sendo apropriado institucionalmente para definir fronteiras: quem pode ou não se assentar à mesa; quem está ou não em comunhão; quem é ou não “santo o suficiente”. O adjetivo “santa” passou a significar “restrita”, “sacralizada” e “sujeita a critérios humanos”. Neste ponto, torna-se importante distinguir dois conceitos: o santo e o sacro.
Santo vs. Sacro
Santo, nas Escrituras, refere-se ao que é separado para Deus, não por mérito próprio, mas por graça. É Deus quem santifica (Lv 20:8). Em Cristo, todo aquele que crê é santificado (Hb 10:10), não por sua pureza ritual, mas por sua fé e entrega. Agostinho dizia que a mesa do Senhor não é o lugar dos perfeitos, mas dos famintos.
Sacro, por outro lado, é um conceito construído pelas instituições religiosas para definir o que é considerado divino ou digno de reverência dentro dos seus limites. Sacraliza-se um espaço, uma função, um momento, e, a partir disso, cria-se uma estrutura de poder: quem administra, quem autoriza, quem nega.
A Ceia, quando sacralizada pela instituição, perde sua natureza de mesa compartilhada e se torna balcão de controle. Jesus, no entanto, não celebrou a ceia num templo, mas numa casa. Não chamou apenas os dignos, mas lavou os pés até de quem o trairia. Sua mesa é o lugar da graça, não da triagem.
A Ceia como Cotidiano Santo
Se entendermos a Ceia como o momento santo de comunhão, então todo partir do pão à luz do amor é ceia. Quando nos sentamos com a família e damos graças, quando dividimos o alimento com o que precisa, quando fazemos um churrasco com amigos e ali lembramos mesmo sem formalidade que Cristo está no meio, isso é santo. Como afirmou o teólogo Alexander Schmemann: na Eucaristia, tudo é novamente reunido em Cristo.
Assim, não é a sacralização institucional que define a santidade da Ceia, mas a presença do Cristo partido no meio de nós. Ele mesmo disse: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18:20). A Ceia é, portanto, toda mesa onde o pão é partido em nome de Jesus e o outro é acolhido com amor.
Finalizando, é hora de resgatar a beleza da Ceia como ela é: um ato santo, não sacro. Um momento de graça, não de exclusão. Um gesto de comunhão, não de dominação. Toda vez que partimos o pão com gratidão e lembrança do Cristo, celebramos a Ceia. Não apenas no primeiro domingo do mês com pão e suco de uva, mas também nas refeições simples, nos jantares festivos, nos cafés com os aflitos. A Ceia é mais do que rito. É o evangelho vivido à mesa.
“A Eucaristia é o mundo inteiro reunido em Cristo.”
Irineu de Lyon
“Todas as refeições tomadas com gratidão são sacrifícios santos a Deus.”
João Calvino (Comentário sobre 1 Coríntios 10)
“Fazei isto em memória de mim” (Lc 22:19)
Não é um convite litúrgico. É um chamado existencial à partilha constante.



Eu sempre enxerguei exclusão e separação em todas as religiões que participei de cultos... E me sentia excluída. Como é bom ler isso!