O Peso de Não Pertencer: Um Olhar Psicanalítico Sobre a Exclusão
- pastorsantinel
- 22 de jun.
- 4 min de leitura

📖 Mateus 22:1-14 | João 4 | Lucas 15 | Isaías 53
I. Introdução: A Alma Ferida e o Convite Divino
A parábola das bodas nos mostra um banquete pronto, uma mesa posta, e um convite escandaloso: todos são chamados. Mas o drama do texto não está apenas no convite recusado, e sim naquilo que ele revela — muitos não vêm porque não se sentem dignos de estar ali. Outros vêm, mas não conseguem se deixar vestir.
O texto aponta para algo que a psicanálise conhece bem: o desejo de pertencimento travado pela vergonha, culpa e trauma. No campo do inconsciente, há vozes que dizem:
“Você não merece estar aqui.”
“Você não é puro o suficiente.”
“Você é um intruso.”
“O Reino é um banquete, mas há pessoas que preferem a fome à humilhação de pedir um lugar.”
— Henri Nouwen
II. A Culpa: O Fantasma dos Convidados Perdidos
No campo psicanalítico, a culpa não é apenas a consciência moral do erro. Freud já apontava para a “culpa inconsciente” — uma herança emocional que se instala antes mesmo da linguagem.
É a culpa de existir. A culpa de desejar. A culpa de não ser o suficiente.
Na linguagem religiosa distorcida, isso é amplificado. A teologia do mérito faz com que muitos carreguem a culpa como sentença eterna:
“Não sou digno.”
“Se me conhecessem de verdade, não me deixariam entrar.”
“Não posso entrar sem antes me purificar.”
Mas o Evangelho responde com escândalo:
“Vinde, comprei o que não podeis pagar. Vinde e bebei de graça.” (cf. Isaías 55:1)
➡️ A culpa que paralisa é desfeita no convite que abraça antes da confissão.
“A graça não nos pede para resolver nossos pecados antes de nos amar. Ela nos ama para que possamos enfrentar nossos pecados.”
— Brennan Manning
III. A Vergonha: A Imagem do Eu Rachado
Se a culpa diz “eu fiz algo errado”, a vergonha diz “eu sou errado”.
A vergonha é uma ferida narcísica. É a exposição do sujeito diante de um olhar que rejeita — seja na infância, na cultura, na religião. O banquete de Mateus 22 é ameaçador para o sujeito envergonhado. Estar diante de um Rei, numa festa pública, vestido de novo, é violento para quem passou a vida à margem.
“E o Rei, entrando para ver os convidados…” (Mt 22:11)
➡️ É o olhar que revela, mas também o olhar que cura.
Lacan nos lembra que o sujeito se constitui no espelho do olhar do outro. Jesus, ao olhar o convidado, não está apenas fiscalizando — Ele está dizendo:
“Você pertence. Mas aceite ser vestido. Não é mais você quem veste a si mesmo.”
IV. O Trauma: A Repetição do Exílio
O trauma rompe a narrativa. Ele inscreve uma ruptura que faz o sujeito reviver a dor sempre que algo semelhante emerge. E o sistema religioso, ao invés de acolher o traumatizado, frequentemente reforça a exclusão:
“Você ainda não perdoou.”
“Você precisa orar mais.”
“Você não tem fé o suficiente.”
A parábola das bodas é uma ruptura dessa lógica. Ela mostra um Deus que não apenas envia convite — mas que vai ao encontro do traumatizado.
“Ide, pois, às encruzilhadas, e convidai todos os que encontrardes.” (Mt 22:9)
A “encruzilhada” é o lugar onde não se mora, só se passa. É o espaço do transitório, do marginal, do não-lugar. Jesus oferece um lugar fixo na mesa àqueles que viviam em fuga.
“Cristo carrega sobre si a dor dos que não têm onde reclinar a cabeça.” (cf. Isaías 53:4)
V. A Veste Nupcial: Revestir-se de um Novo Eu
O convidado sem veste nupcial (Mt 22:11-13) nos mostra um ponto delicado: há quem aceite estar na festa, mas não aceita ser transformado. A veste é símbolo de:
Nova identidade (Ef 4:24)
Perdão recebido (Zacarias 3:3-4)
Justificação em Cristo (Rm 13:14)
Do ponto de vista psicanalítico, há sujeitos que mantêm uma identificação com a dor, com o lugar da vítima ou do rejeitado, ao ponto de recusarem a veste:
“Se eu for curado, perco o que sou.”
“Se eu mudar, deixo de ser quem sempre fui.”
Mas o evangelho cura até isso:
“Revesti-vos do novo homem.” (Efésios 4:24)
“Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.” (Romanos 13:14)
“O convite é para entrar. A veste é para permanecer.”
— Lourenço Stelio Rega
VI. O Banquete como Espaço Terapêutico
A mesa do Reino não é só escatológica. Ela é terapêutica. Jesus não está oferecendo uma cerimônia — mas um lugar de cura profunda.
A vergonha é vencida pela honra de ser chamado.
A culpa é dissolvida na alegria do Rei.
O trauma é reescrito em forma de comunhão.
“A psicanálise oferece escuta ao que dói. O evangelho oferece corpo a quem nunca teve voz.”
— Fábio de Melo
Jesus não apenas cura. Ele nos convida a pertencer. E isso reestrutura o eu.
VII. Conclusão: Um Lugar para Quem Nunca Teve Lugar
A parábola das bodas não é só sobre quem recusa o convite — é sobre aqueles que nem sabiam que havia uma festa.
É para os que achavam que já tinham sido esquecidos, silenciados, amaldiçoados.
E a cura começa quando o sujeito traumatizado ouve:
“Venha. O banquete é para você.
Não pelo que você fez.
Mas porque o Filho foi dado por amor.”
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