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A Voz que Foi Calada: As Feridas Emocionais do Abuso Religioso


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Existem dores que não deixam marcas visíveis.

Elas não aparecem em exames, mas se manifestam no sono interrompido, na culpa constante, no medo de errar — especialmente diante de Deus.

Essas dores são frutos de uma realidade difícil de nomear: o abuso religioso.


Para quem viveu isso, nem sempre é fácil explicar o que sente.

Muitas vezes, a dor não vem de “perder a fé”, mas de ter a fé sequestrada por um discurso que a usou como controle.

É como se a voz interior — aquela que percebe, sente, questiona e busca — tivesse sido calada em nome da obediência.




O abuso religioso começa quando alguém se coloca entre você e Deus



O abuso espiritual não se limita a gritos, ameaças ou exposições públicas.

Ele se instala de forma mais sutil, por meio de:


  • frases ditas em tom “espiritual” mas carregadas de manipulação,

  • uso distorcido da Bíblia para gerar medo,

  • criação de dependência emocional com o líder ou o ambiente,

  • e silenciamento de qualquer pensamento que contradiga a “visão da autoridade”.



Você não pode mais duvidar, perguntar, sentir, escolher, discordar.

Só obedecer.

Mas essa obediência, ao invés de gerar vida, adoece.




Quando o medo ocupa o lugar da fé



Ao longo do tempo, a espiritualidade saudável vai sendo substituída por uma vivência marcada por medo, culpa e autoanulação.

A pessoa ora, jejua, serve — mas não consegue mais discernir se está fazendo isso por amor ou por pavor de ser punida.


Ela teme:


  • ser amaldiçoada se sair da igreja;

  • ser acusada de rebelião se questionar;

  • ser excluída se mostrar cansaço ou dor.



Isso não é fé.

Isso é condicionamento espiritual abusivo.


“O perfeito amor lança fora o medo…” (1 João 4:18)

Se o que você sente ao buscar a Deus é pânico, tensão, vigilância ou vergonha constante,

há algo errado no ambiente que te ensinou a crer.




A psicanálise explica: o outro que ocupa o lugar de Deus



Autores como Winnicott e Lacan explicam que a forma como nos relacionamos com a autoridade tem raízes profundas — muitas vezes ligadas à figura paterna ou materna internalizada.

No abuso religioso, o líder passa a ocupar esse lugar simbólico: ele se torna aquele que “sabe o que é melhor para mim”, que “me corrige por amor”, que “fala em nome de Deus”.


É aí que a subjetividade se enfraquece.

A pessoa deixa de escutar sua consciência e passa a escutar apenas a voz do líder, do púlpito, da igreja.

E toda tentativa de voltar a si mesma é acompanhada de culpa.


O “não sentir” vira virtude.

O “não pensar” é sinal de submissão.

E o “não questionar” é confundido com fidelidade.




Feridas invisíveis, mas profundas



As marcas do abuso religioso podem se manifestar de muitas formas:


  • bloqueio na vida de oração: “Não consigo mais orar como antes”

  • medo de Deus: “Sinto que Ele está sempre me reprovando”

  • confusão espiritual: “Não sei mais no que acreditar”

  • autoimagem fragmentada: “Será que eu sou rebelde?”

  • dificuldade de confiar em comunidades novamente



Essas feridas não são fraqueza espiritual — são traumas.

E precisam ser tratadas com respeito, escuta e tempo.


Jesus disse:


“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.” (João 10:10)

Essa abundância não exclui dúvidas, não exige perfeição, não cancela perguntas.

Ela inclui verdade, liberdade e cura.


Ressignificar a fé: um processo possível


A cura do abuso religioso não exige que você abandone sua fé.

Pelo contrário: exige que você descubra o verdadeiro Deus por trás da caricatura construída no ambiente abusivo.


Esse processo envolve:


  1. Reconhecer que o que aconteceu foi errado, mesmo que tenha sido feito “em nome de Deus”

  2. Separar a voz do abusador da voz do Espírito

  3. Buscar uma nova forma de se relacionar com Deus — mais íntima, mais livre, mais humana

  4. Permitir-se sentir, pensar e reconstruir


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